Carta a Carlos Drummond de Andrade
Por Denise
Fernandes
Querido Carlos:
Tenho na minha mente uma frase
de Chico Xavier que já não sei onde ouvi informando que as comunicações
espirituais só acontecem do alto para baixo, do plano espiritual para o material
ou terreno. Mesmo com essa informação transmitida insisto na mensagem que te
escrevo. Porque quem sabe as regras mudam. De tanto a gente insistir aqui “de
baixo”, quem sabe o pessoal aí de cima, do paraíso, purgatório ou plano
espiritual não passa a responder as mensagens. Já pensou que alívio. Quanta
mensagem de mãe, de pai, irmão, e de filhos chegando, de amigos que já se foram.
Ia ser uma alforria da alma, pensa só. Por isso insisto. Queria também saber
onde você está: no purgatório, no paraíso ou no plano espiritual? Se estiver em
outro lugar, pode contar.
Carlos, a situação é grave. Por
isso te escrevo. Fala com os outros poetas, avisa que eu imploro. O caso é o
seguinte. Quando ela tinha onze anos de idade, ela pendurou no mural dela o seu
poema, querido Carlos, os ombros suportam o mundo. Fiquei surpresa. Como? Como
aquele poema estava ali? E como os ombros dela suportavam o mundo? Li e reli o
poema no mural várias vezes como se uma nova leitura pudesse me revelar algo que
eu não soubesse e revelava. Quanto mais lia, mais confusa eu ficava porque ela
era muito nova. Onze anos, magrela, o poema brotou de onde? Perguntei o porquê
do poema no mural e ela me olhou com aqueles olhos tristes-alegres e aquela
expressão de mistério-cumplicidade. Entendi silenciosa que os ombros dela e os
seus suportavam o mundo e saber disso me doeu de forma estranha. Talvez eu
intimamente soubesse que se os ombros dela suportavam o mundo, talvez um dia
ficassem como hoje sem suportar mais, tivessem em si essa revolta louca.
Perguntei a ela outro dia o que ela estava querendo agora. E ela me disse
simplesmente nada. Mesmo sabendo que nada é super bom, fiquei pasma. Se nem os
ombros dela nem os seus suportam mais o mundo, o que será da vida apenas, sem
mistificação? Como será esse tempo de absoluta depuração, em que o amor resultou
inútil? Sem que vocês suportem o mundo, continuarão as mãos a tecerem o rude
trabalho? O mundo pesa muito mais do que a mão de uma criança e os olhos de
vocês não querem mais resplandecer nem enormes nem pequenos. Há na ausência um
gesto. Vocês já não se importam com o mundo? Os olhos agora choram, inundam os
dias e tornam impossíveis as mais simples tarefas. Estou com medo, Carlos. Não é
mais a ditadura, mas ainda é, um anjo me falando vai ser gauche na vida. A
violência continua dividida em tantas microformas. O caminho está cheio de
pedras. E formigas. Ela resolveu parar. Anda por aí sem se importar de fato. Ela
está com uma pergunta anterior ao mundo. E você, está no mundo? Ou o mundo em
que você está é tão outro mundo que não é mundo? Sem ombros para suportar o
mundo, ele se sustenta, Carlos, ou fica absurdo?
Ela não tem mais mural. Por
favor, Carlos, escreva-me. É de um outro mural e um outro poema que ela precisa.
É como se estivéssemos com uma página em branco na Poesia do Mundo. Essa página
em branco é um silêncio entre as palavras que monótonas não parecem mais
comprometer. Há um desespero que se renova na humanidade: esperamos uma resposta
sua ou você morreu?